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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Poema antigo

  • Este poema é de 1985, um dos poucos que se salvaram... do naufrágio.  Nele me agrada em especial o ritmo sufocante, dispnéico, embora as imagens me apareçam, hoje, envelhecidas. Mas o conjunto é saboroso. Demorou muito para que as soluções formais se equilibrassem, eu me lembro, foi escrito e reescrito muitas vezes, até que o verso alexandrino e seus pés quebrados salvaram o texto. Está aí a memória transfigurada: o efeito que ficou, desde a infância, do inferno de Dante. (Aliás, com quem ficou aquela edição da Divina Comédia do vovô?)


Ambíguas fecundas adversas águas, águias
Afiadas no inferno sonoro do verso,
Espuma-espadas de amor e corte, vertendo
O fel de um coração submerso, a pulsar
A pulsar, a pulsar... Quem poderá impedir
Este ritmo suicida, a explosão delírica?


Não importa, não importa o abnegado corpo
Mas estas escamas, sílabas laminadas
Ardentias desfazendo-se em canto, vagas
De prateada e incontida ilusão...


O mais é o mar, exausto ao largo, deus
Adormecido em teus braços, como um pássaro,
Pássaro-poema lançado na gravidez
Das ondas, que te devolvem à superfície
Do texto: bóia plácida a reluzente incógnita.

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