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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Haicais

  • Eis os primeiros sete haicais da série Sendas de Bashô. É um projeto que ficou na gaveta também por um bom tempo (dez anos!). É o meu exercício de poesia em outra chave. Alguns estiveram, como pôsteres, numa exposição do Mackenzie, em 1999, se eu não me engano. E alguns também foram publicados no primeiro número da revista Todas as Letras, do Mackenzie.

Sendas de Bashô

O jardim

O jardim. Precioso tecido de avencas, musgo, lua, camélias e romãs, outros verdes, claros e noturnos tons, seixos e água, folhas de pele seca, carpas, pássaros, lendas e vento, sereno madruga no tempo. O país e suas escuras sendas.

A um longe - o jardim
R (astro) entre antigas pedras
Pa (ra) lavra viva

As carpas

Adivinhar as carpas na água em movimento. O que dizem as carpas fugidias, resvalando no leito/lama ?

Translúcida ... lâmina
L’ ânima trêmula fulva
In profundo flúmen

O bonsai

O bonsai e seu código. A delicada e paciente arte nas mãos do escultor do tempo: a poda de raízes para preservar a vida, o desenho nos rebentos, antevendo futuros, velho galho rugoso. Jins e sharis. As múltiplas - mas limitadas - possibilidades de movimento: fukinagashi, kengai, bujingi, neagari, moyogi ... Na fina bandeja de porosa argila, a pequena árvore habita o coração do olhar. Repousa, viva, a eterna ausência.

Árvore em flor
As (t) ramas da angústi
Ante ilusão do instante


O jardim de pedras

Na tradição oriental, o jardim de pedras é um espaço zen. Sobre o chão, um tapete de seixos, cascalhos, ou areia grossa. Nesse leito mineral rarefeito, dispõem-se, em irregular harmonia, pedras/rochas de tamanhos variados. Eis que brota, orgânico, o haikai.

Dor me leve a pedra
Sobre os cascalhos do tempo
Ser ao sopro um dia



O velho

A ponte em curva sobre o riacho e nuvens vermelhas de fim de tarde. Por instantes, o vento silencia: cabelos brancos, rugas no olhar, cicatriz.

Deslizando ao poente ...
Sol – um velhote vê da ponte –
Fio d’água ridente


A lanterna

Da água à terra, das mãos ao fogo, entre as ameixeiras, ao pé da varanda, com seu quase não brilho, diz ao viajante da noite esta lanterna: A casa é também sua. Entre.

Olhar do jardim noturno
Pulsante (re) vela
Luz de silêncio: jasmim


Silêncio noturno

Só mesmo a palavra pode revelar o indizível da noite. Só nela canta o pássaro seu silêncio em agonizante gozo. E nesses sons se esconde a música que não existe a não ser nesses sons. Irônico sorriso esse da noite.

Entre brisas e grilos
O pássaro silencia
E captura um sorriso


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